Comparáveis
no aspecto político pela importância dos personagens envolvidos, os esquemas do
mensalão e da Operação Lava-Jato são diferentes em suas dimensões. Os desvios
na Petrobras, ainda não totalmente calculados, são mais de dez vezes maiores do
que o do valerioduto. Se durante o julgamento mensalão, o então presidente do
Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto calculou as perdas em R$ 173
milhões, os valores iniciais do Ministério Público apontam prejuízos à
petroleira de pelo menos R$ 2,1 bilhões. Juristas e investigadores ouvidos pelo
Correio entendem que o primeiro caso trouxe lições ao segundo, na obtenção de
provas e na tentativa de apressar o julgamento de casos complexos.
No
mensalão, tudo começou com uma denúncia feita no Congresso em 2004 e 2005, que
se transformou em duas CPIs e desaguou no Judiciário, que condenou 25 réus, mas
só em 2012. Na Lava-Jato, o caminho é do Judiciário para a política, passando
pela criação de duas CPIs e de inquéritos formais contra parlamentares somente
um ano após a deflagração da operação da Polícia Federal.
Um dos
investigadores diz que a força-tarefa de procuradores do Ministério Público se
valeu da experiência com “marcos” na investigação de crimes de colarinho
branco. O mensalão foi um deles, assim como o caso Banestado, que apurou
lavagem de dinheiro e evasão de divisas em 2004, e frustrações como as
Operações Satiagraha e Castelo de Areia, que foram anuladas pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
O ministro
do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello entende da mesma forma. Lições
foram aprendidas segundo ele. “Sem dúvida: a semente fica plantada e ela
frutifica”, disse. Para o ministro, o caso pode andar mais rápido que o
mensalão na corte porque há vários inquéritos gravitando em torno de alguns
políticos, ao contrário do valerioduto, que narrava várias condutas de 40
acusados. “Talvez haja aí racionalização. O relator é o mesmo. Ele poderá
transportar certos elementos dos autos de um inquérito para o outro.”
A
Procuradoria Geral da República pediu abertura de 28 investigações contra 54
pessoas, a maioria políticos, no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça. Há
ainda 24 ações criminais e de improbidade contra mais de 40 pessoas na primeira
instância, entre executivos de empreiteiras, operadores e funcionários da Petrobras.
Na Justiça Federal do Paraná, duas sentenças já condenaram doleiros acusados de
crimes correlatos e a primeira acusação sobre fraudes contra a petroleira está
em fase de sentença.
O
contrário deve acontecer a com a Lava0-Jato. A maior parte das acusações será
julgada pela 2ª Turma, que só tem cinco ministros, e sem transmissão de TV,
porque o STF mudou as regras internas de avaliação das acusações contra
parlamentares. Só os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da
Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), terão casos julgados no plenário por
comandarem as Casas Legislativas.
A divisão
da Lava-Jato em vários processos é bem vista pelo ex-procurador geral da
República Cláudio Fonteles. Ele diz que “o gigantismo” das peças tem que ser
evitado. “Não pode ir abrindo muito fatos e muitos réus”, contou ao Correio.
“Isso tende a perpetuar isso aí. Fazer o fatiamento agiliza. A questão que tem
se evitar é se não há conexão entre dois casos, se não vai acontecer absolvição
em um e condenação em outro.”
Para
Fonteles, o caráter político é a principal semelhança entre o mensalão e a
Lava-Jato. É o que dá repercussão aos dois casos. Ele entende que o
envolvimento de grandes empresas na Lava-Jato não a diferencia do mensalão
nesse quesito. “É o réu que chama a atenção. É o senador, o ministro de
Estado... Há grandes empresas, mas acopladas com políticos”, avalia.
O
professor de direito penal e ex-desembargador Edson Smaniotto entende que as
semelhanças políticas dos dois casos escondem uma nuance. A seu ver, o mensalão
era claramente um esquema de partidos, com o objetivo de financiar legendas.
Mas ele acredita que isso não está comprovado completamente na Lava-Jato. “O
propósito do ‘petrolão’ era enriquecimento ilícito de agentes políticos, e não
apoio político”, disse. O raciocínio se estende às empreiteiras. “Elas não
queriam apoio político, mas enriquecimento ilícito, uma parceria para isso.”
'País
precisa ser passado a limpo'
O
ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto disse ao Correio
que o Brasil é “um país que precisa ser passado a limpo”. Ele disse ver os
desdobramentos da Lava-Jato com expectativa de boas mudanças nas práticas
brasileiras.
“Um país
que precisa ser passado a limpo tem que passar por essas turbulências, essas intercorrências”,
disse. “No fim, tudo fica plano e transparente.” O ex-ministro afirmou que
“todo povo que amadureceu” teve momentos na história semelhantes à Operação que
colocou na cadeia executivos de grandes empreiteiras, doleiros, funcionários da
Petrobras e revelou denúncias de pagamentos de propinas a políticos e partidos
com dinheiro desviado da sexta maior petroleira do mundo.
“O Brasil
tem que passar por isso. Nossas malfeitorias com o patrimônio público são
coloniais”, afirmou Ayres Britto. “No fim, vai dar tudo certo”, disse ele, na
sexta-feira, horas antes da divulgação da lista de políticos investigados por
suspeita de envolvimento com o caso.
Veja as
diferenças entre o mensalão e a Lava-Jato:
Mensalão
Resumo:
acusação segundo a qual o então ministro da Casa Civil José Dirceu montou
esquema para comprar apoio político no Congresso ao repassar, ilegalmente,
dinheiro para parlamentares, parte dele destinado a quitar dívidas e acertos da
campanha eleitoral de 2002. O principal operador era o publicitário Marcos
Valério. Foram 25 réus condenados pelo STF em 2012.
Período:
pouco mais de dois anos (2003 a 2005)
Fonte dos
recursos: Banco do Brasil e Câmara dos Deputados
Valores de
contratos investigados: R$ 74,8 milhões
Corrupção
identificada: R$ 173 milhões
Acusados:
40
Condenados:
25
Processos:
uma ação penal e um inquérito no STF e cerca de dez processos nos estados.
Lava-Jato
Resumo:
ampla investigação sobre lavagem de dinheiro que se deparou com esquema de corrupção
na Petrobras. Um cartel de empreiteiras combinava licitações entre si,
superfaturava os preços em 3% em média e repassava o adicional a políticos,
funcionários da estatal e operadores. O principal operador era o doleiro
Alberto Youssef. Quase 100 investigados ou denunciados à Justiça.
Período:
dez anos (2004 a 2014)
Fonte dos
recursos: Petrobras
Valores de
contratos investigados: R$ 317,6 bilhões
Corrupção
identificada: R$ 2,1 bilhões
Acusados:
54 políticos e pessoas relacionadas a eles.Mais de 40 executivos e pessoas
ligadas a eles
Condenados:
nenhum
Processos:
25 inquéritos no STF, 2 inquéritos no STJ, 24 ações criminais e de improbidade
no Paraná.
Nenhum comentário:
Postar um comentário